A inovação é feita exclusivamente na empresa, pelo empreendedor, e não em qualquer outro local, seja universidade ou centro de pesquisa. Inovação exige cliente na ponta e lucro no bolso. A boa receita de inovação recomenda o casamento entre empresa, centro de conhecimento e capital de risco. É lógico, se houver cultura empreendedora. A primeira entra com o sonho a capacidade empreendedora, cliente, gestão. A segunda com o conhecimento. Se tiver como padrinho o capital de risco, será o casamento perfeito, capaz de gerar produtos e serviços de alta tecnologia que podem mudar o país. No entanto, por diversas patologias (aversão a trocas livres com o ambiente, aderência irresistível à reserva de mercado, convivência promíscua com governos, autocracia e misoneismo histórico) tais casamentos são raros. Por isso surgem bem intencionadas e eficientes agências de casamento (cada grande universidade tem uma, como também as federações da indústria). Mesmo celebrado o casamento, muitas vezes não se dá a consumação. Resta a tais bem intencionadas agências, ansiosas por patentes, tecnologias, inovações, desenvolver como último recurso programas de inseminação artificial. Ufa!
Com isso temos conseguido dar bons passos, mas a grande explosão de inovação virá quando os três elementos, a iniciativa empreendedora, o conhecimento e o capital de risco se fecundarem espontaneamente, com motilidade capaz de gerar frutos para o país.
Servem para aumentar as dificuldades as expectativas equivocadas que os parceiros constroem entre si e a sociedade em relação a eles. A percepção da atividade empreendedora proposta por Timmons define claramente os papéis dos atores do processo. Empreendedorismo envolve três fases: identificar oportunidades (necessidades não satisfeitas), agarrar oportunidades (através de um produto/serviço inovador) e aproveitar oportunidades (criar a empresa que viabilize o processo e produza valor positivo para todos os envolvidos).
A primeira fase é de exclusiva competência do empreendedor. Mas nem por isso é determinada pelo acaso ou sorte, mas sim pelo profundo conhecimento do ambiente em que se atua, do qual o mercado é somente parte. Tal competência não se aprende na escola, não pode ser ensinada. Portanto, não é na porta da universidade que se deve bater quando se procura capacidade empreendedora, conteúdo gerado e propagado pela cultura e não pelos e laboratórios e livros. Mesmo porque, com raras e preciosas exceções a universidade brasileira até agora reagiu contra a disseminação do espírito empreendedor, por ser este o ator central do “mercado”, palco que ela renega sabemos por quê. Em 1992 quando comecei nessa área, empreendedorismo era uma palavra condenada em quase todos os foros acadêmicos, “aquilo cujo nome não se pode dizer”. Se considerarmos alguns indicadores, evoluímos muito de lá para cá: são prova disso os excelentes programas como o CESAR, da UFPE, o GENESIS da PUC Rio, da PUC-RS e da UFSC, da UNICAMP, para ficar somente com alguns dos muitos exemplos. Em todas as instituições de ensino superior que visito encontro professores apaixonados pelo empreendedorismo e dispostos a se entregar à sua construção. Já ministrei seminários para cerca de 5.000 acadêmicos ansiosos por oferecem aos alunos novas alternativas quanto à inserção no trabalho. Mesmo já não sendo poucas, tais pérolas são exceção. Recebo até hoje moções de censura à palavra maldita que todos os meus livros trazem na capa. Por hábito o acadêmico trata do empreendedorismo como se Física fosse, ou seja, uma ciência produzida em casa. E logo se coloca na posição de mentor. Triplo equívoco, empreendedorismo não é ciência e a casa não pratica. Portanto não há como ser mentor.
Vamos à segunda fase, agarrar oportunidades. Aqui sim, o casamento é necessário. Identificada a oportunidade, tem-se em mãos um problema a ser solucionado. Mas, em que dose e em que âmbito atuam cada um dos parceiros? Há uma zona cinzenta e mãos de ida e de volta. Geralmente o processo começa quando a empresa precisa de ajuda para construir uma solução, criar um produto ou serviço. Mas variações de toda ordem não são raras: desde serendipidades, descobertas inesperadas, a spin offs acadêmicos. Como não perder a noção de quem faz o que? Não é tão complicado. Mais uma vez, a responsabilidade pelo produto é do empreendedor, com a ajuda do centro de pesquisa. Quem está afeito à área sabe muito bem que nem sempre a melhor tecnologia representa o maior sucesso comercial. Ela é indispensável, é verdade, mas não o elemento único e, muitas vezes, nem mesmo o mais importante. E, de fato, se inovação é dinheiro novo, nem sempre a tecnologia nova significa inovação.
Muitos pensam que o conhecimento transferido da universidade para a empresa já traz embutida (embeded, para usar o jargão da área) a inovação tecnológica. Não é assim, o personagem que transforma o conhecimento em produto ou serviço é o empreendedor.
A suposição de que o que cai na universidade, universitário é, produz comportamentos desajustados: alguns agem como se a universidade fosse o centro de irradiação do espírito e da competência empreendedora; outros supõem que o título acadêmico os credencia (mesmo que nunca tenham entrado em uma empresa) a ser gerentes de incubadoras. Outros ainda supõem ser a universidade a fonte de inovação.
A terceira fase, aproveitar a oportunidade, não deixa dúvidas. É ali que a competência empreendedora mostra a sua essência. Muitos pensam que a idéia é tudo, mas de nada vale se não encontrar a capacidade de buscar e gerenciar recursos. A inovação somente se consuma se gerar receita líquida positiva, dinheiro novo.
A universidade (fora do Brasil) começa a morrer de amores pelo empreendedores. Mas o começo do namoro foi difícil. O tema foi empurrado goela abaixo da academia há quatro décadas pelas evidências irrefutáveis da sua importância: a micro e pequena empresa nos Estados Unidos, na década de 70 do século passado, era o único setor a gerar taxas positivas de emprego. Até agora a cultura empreendedora tem sido um legado histórico da empresa familiar, que a desenvolveu e transmitiu através das gerações. Filha de uma cultura em que ser de esquerda (seja lá o que isso significa) é ser de vanguarda, a universidade brasileira não sabe exatamente como tratar um tema historicamente por ela classificado à direita, seja lá o que for. Por isso não aproveita o longo período em que lida com o coração e mente dos jovens para propor-lhes sonhos diferentes daquele que prevalece há mais de 100 anos: passar em um concurso público. Muitos argumentam não ser esse o papel da universidade, mas da sociedade, como se as duas pudessem estar separadas. Entre os favoráveis, (entre os quais me incluo), talvez ingênuos, encontram-se os que atuam em centros de empreendedorismo, incubadoras, e também os que querem disseminar a cultura empreendedora entre alunos e professores.
É saudável a existência dessas várias vertentes e de outras não citadas. A universidade se alimenta da pluralidade; discordâncias e diversidades fazem bem à sua saúde. A sua essência será preservada justamente se ela não ceder a uma única diretriz ou percepção. Mas seja lá qual a vertente que se siga, far-lhe-á bem assumir o que não se pode negar: o conhecimento empreendedor até hoje não foi gerado entre as quatro paredes do ambiente universitário, mas depois da porta da rua. Mas o que também não se pode negar é que se for disseminado também pela universidade, será capaz de produzir riquezas em escala absurdamente maior.